Relatora da CPMI das Fake News se diz pressionada pelo governo

Depois de sair da primeira reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, a relatora afirmou que percebe um esforço do clã Bolsonaro para que o tema não seja investigado e disse sentir-se pressionada pelo governo.

Aos 63 anos, a deputada Lídice da Mata, do PSB da Bahia, disse que o colegiado vai apurar denúncias graves de que “o governo Bolsonaro é uma fábrica de fake news”.

E que Carlos Bolsonaro pode ser obrigado a explicar seus métodos no comando das redes de Jair Bolsonaro.

“Fica cada vez mais a suspeita de que há algo muito estranho no reino da Dinamarca, ou no reino do Brasil, na família monárquica, em que não se pode tratar do assunto fake news”, disse a deputada, que também se irrita ao receber mentiras no celular.

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O presidente da República também espalha notícias falsas?

Esse é o grande problema. Por isso o partido do presidente se empenhou tanto em ir ao STF contra a CPI, em obstruir a CPI. É impressionante. Eles assumem o discurso de que investigar fake news é atacar seu governo. E eu respondo: “Atacar por quê? Se o governo não tem nada a temer, não tem por que se preocupar”. É muito assustador que o próprio presidente da República diz: “Não confiem em tal jornal”. É a tentativa clara de desestabilizar. Você pode até ter uma opinião, mas não pode, no governo, usar a máquina pública para isso. É preciso retomar uma visão republicana sobre o país, sob pena de destruirmos a credibilidade do Brasil.

Carlos Bolsonaro, comandante das redes de Bolsonaro há tempos, será convocado?

É possível. Precisamos investigar como foram feitas as fake news, quem fez, de onde partiram, de que maneira, e quem pagou. Esses movimentos geralmente acontecem com recursos, para criar uma lista de distribuição, por exemplo.

Se for convocado, Carlos será testemunha ou suspeito?

Vai ter que depor e dar esclarecimentos. Tanto ele quanto outros. Não quer dizer que só a campanha de um candidato possa ter criado fake news. Por enquanto a única pessoa convocada com ligação com a Presidência é Rebecca Félix, assessora do Planalto, que coordenou as mídias da campanha de Bolsonaro.

O colegiado poderá usar os instrumentos mais fortes previstos no regimento, como determinar quebras de sigilo?

Claro que pode. Tudo o que está dentro da nossa atribuição regimental, poderemos fazer.

O governo Bolsonaro se alimenta de fake news?

O governo tem uma estratégia bem definida. A militância se alimenta, sim. Nessa CPI, os líderes do governo criaram o bordão de que a CPI é para censurar a imprensa livre, chamaram de “CPI da censura”. Tentaram desqualificar com base numa mentira, mas não pegou.

Quão prejudicial a CPI pode ser ao governo?

Aí não sei. Só o resultado pode dizer. Mas pela reação do governo, acho que pode ser muito prejudicial. Vamos ter que investigar denúncias de que o próprio governo é origem de fake news. É mais grave ainda.

Como o PSL tem resistido às apurações?

Fizemos uma reunião na semana passada com os parlamentares do PSL, para tentar entender o que queriam, e costurar um acordo. Mas foi impossível. Queriam que a apresentação de requerimentos, como de convocação de pessoas, fosse dividida igualmente. Dez para nós, dez para eles. A CPI não é divida entre nós e eles. Uma das reclamações foi que o plano de trabalho estava muito voltado para a investigação de fake news. Ora, mas esse é o objetivo central da CPI! Está escrito no requerimento de criação. Eu me surpreendo. A obstrução foi uma ação muito isolada do PSL. Eles não querem investigação, mas não conseguiram evitar a CPI. Dificilmente um governo consegue obstruir CPIs. CPI é papel de oposição, essencial a qualquer Parlamento. É por isso que é preciso um terço de assinaturas das Casas, para permitir que a oposição, a minoria, mantenha seu papel de investigar e fiscalizar o governo. O número de assinaturas ultrapassou o que era preciso. Houve uma adesão muito grande da Câmara e do Senado.

Diz o ditado que ninguém sabe como uma CPI termina. A senhora sabe?

Como a frase é da experiência parlamentar, nem eu posso saber. Eu acompanhei algumas CPIs que acabaram com o endurecimento da legislação. Eu fui relatora de uma CPI sobre tráfico de pessoas, e presidi outra sobre assassinato de jovens. As fake news, no entanto, já têm uma legislação. O código penal já enquadra um pouco esse crime. Mas nós podemos avançar em algumas questões. Já há países, como a França, que penalizam mais severamente o criador de fake news, e responsabilizam as empresas. Isso é outro problema. As empresas identificam que há fake news, permitem a disseminação, porque foram contratadas e estão recebendo dinheiro. Vamos ter de analisar bastante essa questão.

A senhora se sente pressionada pelo governo?

Sim, me sinto. O presidente fala contra a CPI. Aliás, o presidente fala contra muita coisa nesse país. A tudo o que diz respeito a direitos, a dignidade, ele é um opositor. Não é a primeira vez que o governo faz confusão com fake news. Votamos recentemente uma legislação a respeito do crime de disseminar mentiras nas redes, e o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, atacou a posição da Câmara. Fica cada vez mais a suspeita de que há algo muito estranho no reino da Dinamarca, ou no reino do Brasil, na família monárquica, em que não se pode tratar do assunto fake news. Na semana passada os assessores do PT na Câmara ganharam na loteria. E isso vira pauta do ministro da Educação, como se não houvesse coisas graves e trabalho demais na educação brasileira para ele se preocupar? Está mais ocupado em fazer ataques? Foi com assessores do PT, podia ser PSDB, PSL. É um assédio moral. O governo não tem filtro para medir as consequências do que fala. A não ser que a intenção seja justamente essa. É a teoria do caos.

A punição a esses casos de assédio virtual também deve ser endurecida?

Sim. Recebi no gabinete uma pessoa cujo filho foi agredido na escola. O que antes era um bullying restrito à escola, que a professora resolvia na sala de aula, se espalhou pela escola inteira, com compartilhamento de conteúdo. É um tipo de lesão psicológica e emocional aos jovens que você não tem sequer a dimensão. O caminho mais rápido é a criança querer sair da escola.

Pode ocorrer no Brasil escândalo semelhante ao da Cambridge Analytica, nos EUA?

Não afasto essa hipótese.

As eleições municipais, no ano que vem, preocupam?

Claro. A necessidade da CPI é justamente mostrar para a sociedade como ocorrem fake news, como pode identificá-las, como se comportar diante disso, para que na eleição do ano que vem já possa estar em alerta sobre isso. Certamente não conseguiremos impedir que as fake news aconteçam totalmente, até porque não há tempo disponível de uma nova legislação interferir na eleição. Vamos tentar deixar os que praticam fake news mais inibidos, com penalizações.

(Por Eduardo Barretto)

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